Efeito Detroit Pistons
Prof. Ms.
José Marinho M. Dias Neto
Sempre que algo fora
do comum acontece, surgem algumas pessoas atribuindo o fato à
sorte, ao sobrenatural, ao milagre, etc. Sou daqueles que absorvem
o impacto inicial do espanto e tenta encontrar explicações
racionais para o ocorrido, e principalmente, busco ensinamentos e
lições para o futuro. A vitória do Detroit foi um destes
episódios. Quase um absurdo. O impensável. Existem oito milhões de
milionários no mundo (25% nos EUA). A final da NBA de 2004, com
certeza, adicionou mais alguns a esta lista. Em Las Vegas deve ter
muito bookmaker quebrado.
Atribuir à
determinação, à empolgação e ao bom ambiente na equipe é, no
mínimo, uma ponderação leviana. Será que um Karl Malone e um Gary
Payton não estavam loucos para ganhar o título? É preciso
realmente analisar criteriosamente tudo que aconteceu. Não me
aterei aos deslizes dos Lakers. O Detroit é o diferente. O foco
precisa ser direcionado para os campeões.
Como na maioria dos
desportes na atualidade, o ponto de partida para qualquer
trajetória de sucesso é o preparo físico. Só mesmo no nosso
futebol é que times gastam dinheiro com jogadores despreparados.
Na NBA, a condição atlética é mandatória. O Detroit sobrou neste
quesito. A postura defensiva, a capacidade de antecipação nos
rebotes, a movimentação ofensiva e a rapidez nos contra-ataques
falam por si só. Nosso basquete precisa colher este ensinamento
bem rápido. Não adianta gastar tempo nas categorias de base com
atletas franzinos, atarracados e pouco vigorosos. Precisamos
formar jogadores. Um título mirim tem um valor bastante relativo!
Vale mais a pena sair de escola em escola a busca de crianças com
biótipo talhado para o esporte. O ideal seria uma bateria de
testes (composição corporal, físicos, técnicos) e jogos num grande
festival de basquete promovido por um órgão competente de modo que
os clubes pudessem selecionar seus futuros atletas. Um draft
tupiniquim. Para isto tudo dar certo, seria preciso uma séria
estratégia de marketing, proporcionando atingir em cheio aos
jovens e adolescentes. Mas dá trabalho... Desculpe, no nosso país,
craques surgem ao acaso.
A defesa dos Pistons
foi endeusada. Com razão, por sinal. Mas o ataque foi implacável
também. Tudo era feito tentando tirar O’Neil do garrafão ou forçar
seu combate direto (digo: cavar faltas). Nada muito mirabolante.
Tudo feito com muito esmero, com conceitos técnicos e no tempo
certo. Rip Hamilton atuou quase o tempo todo fazendo o pêndulo
(vide década de 70), usando bloqueios múltiplos. A diferença é que
os bloqueios eram muito bem feitos, Hamilton os utilizava com
maestria e se nada ocorresse, a jogada prosseguia no lado oposto.
Além disto, Hamilton não parava um só instante em quadra. Mudava
de ritmo, fintava e procurava o contato para desequilibrar seu
oponente a todo o momento. Não adianta ficar fazendo treino de
meia quadra se os jogadores não dominam os conceitos. O técnico
precisa “perder tempo” com os detalhes. Mas dá trabalho...
A qualidade dos
passes também precisa ser destacada. Não foram poucos os passes em
backdoor. Quantas vezes a jogada mudava de lado com fluência e
precisão. O primeiro passe para o contra-ataque sempre foi feito
em fração de segundos com força e direção. Ben Wallace é um mestre
neste fundamento.
Por fim,
falemos da tão aclamada defesa. A defesa do Detroit começa pelo
rebote ofensivo. Não tem bola perdida. Sempre havia alguém de
vermelho e azul na disputa. Deste modo, os Lakers pouco produziram
em transição. A defesa ao homem da bola foi impressionante. Bem
diferente daquela pancadaria protagonizada por Miami e New York há
anos atrás. Havia leveza, esperteza e agilidade, e não
simplesmente uma demonstração de brutalidade. Kobe Bryant tentou
de tudo para não ter seus arremessos contestados. Mas sempre
aparecia a “mãozinha” do
Tayshaun Prince no caminho. O sistema
de rotação parecia um balé, antecipando cada movimento desta tal
ofensiva dos triângulos (para mim um grande factóide). Para se
construir um sistema defensivo consistente é preciso ter
conhecimento das movimentações do adversário e, principalmente,
treinar insistentemente os detalhes defesa em conjunto (aos
bloqueios, por exemplo) e as situações de desequilíbrio (quando
ocorrerão as rotações). Tudo deve estar padronizado. Não deve
haver improvisações. Cada um deve ter consciência de sua tarefa
nas mais diversas situações. Mas dá trabalho... Quanto ao rebote,
dispensa comentários. Pat Summitt (técnica de basquete americana)
disse em dia de rara inspiração: “Ataque vende ingressos, defesa
ganha jogo. Rebotes ganham campeonatos”. Nunca está frase esteve
tão viva!
Não sei se alguém da
comunidade de nosso basquete irá perder seu precioso tempo em ler
as linhas acima. Se chegou até aqui... Muitos se julgam donos da
verdade. Poucas verdades existem e a realidade está sempre em
constante mutação. Precisamos abrir nossas mentes para novos
conhecimentos. Aprender com as experiências dos outros. E a
vitória do Detroit é uma baita oportunidade. Embora, no basquete
brasileiro, estudo, competência e trabalho duro tenham muito pouco
valor. |