CAMPEONATO
NACIONAL DE BASQUETEBOL:
EQUILÍBRIO DE FORÇAS OU NÍVEL TÉCNICO EM QUEDA?
Por:
Prof. Ms. José Marinho Dias
INTRODUÇÃO
O Campeonato Nacional de
Basquetebol Masculino está comemorando seu 15º. Aniversário. Neste
espaço de tempo muitos atletas foram revelados, muitos jogos se
tornaram históricos e muitos progressos foram implementados. A
introdução das estatísticas em 1996 nos permitiu transitar do
campo do “eu acho” para o campo da ciência. Tornou-se mais fácil o
acompanhamento dos desempenhos dos jogadores e das equipes.
Qualquer análise poderá ser respaldada em números. E, dizem, eles
não mentem...
O objetivo deste trabalho é
fazer um estudo comparativo entre as estatísticas ofensivas
coletadas entre 1996 e 2003 tentando tirar algumas conclusões
sobre o rumo de nosso basquetebol. A estatística é fria, não
traduz a importância de uma dada ocasião, as condições momentâneas
ou o detalhe técnico específico de uma situação de jogo. Mas nem
por isto perde a validade como um poderoso instrumento auxiliar de
análise do desempenho.
O estudo valeu-se das
estatísticas referentes aos Campeonatos Brasileiros entre 1996 e
2003. As seguintes variáveis de desempenho das equipes foram
utilizadas: número de posses de bola, número de arremessos de três
pontos, número de arremessos de dois pontos, número de lances
livres, percentual de arremessos de três pontos, percentual de
arremessos de dois pontos, percentual de lances livres, número de
erros, número de erros por posse de bola e pontos por jogo. De
posse dos resultados de cada variável em cada ano, verificou-se
qual a lógica de suas disposições ao longo do tempo, as possíveis
causas desta tendência e quais fatores externos interferiram no
processo. As variáveis foram combinadas sempre que necessário para
que uma conclusão mais apurada fosse possível.
A assistência é um dos
indicadores de entrosamento e de seleção de arremessos de uma
equipe. Esta variável deveria ter sido empregada no estudo, porém
seus critérios de aplicação não foram constantes ao longo do
tempo, impossibilitando seu uso.
DESENVOLVIMENTO
Houve uma queda progressiva
do número de posses de bola por jogo entre 1996 e 2000 da ordem de
9%. Entre as possíveis causas podem estar a melhoria dos sistemas
defensivos (incluindo o equilíbrio defensivo), maior valorização
da posse de bola, maior desequilíbrio entre as equipes, etc. A
partir de 2001, com a introdução dos 24 segundos de posse de bola,
o número de posses retornou a níveis semelhantes aos de 1996. É
sempre bom lembrar que o tempo de posse foi reduzido em 20%,
presumindo-se um incremento no número de ataques mais
significativo do que o observado. FIGURA 1
Figura 1
Observou-se aumentos
sucessivos no número de arremessos de três pontos da ordem de 15%
entre 1996 e 2002. Devido ao seu maior grau de dificuldade, os
arremessos de três pontos devem ser utilizados com critério. O uso
abusivo deste tipo de arremesso revela opção por uma solução
simplista, demonstrando a falta de um padrão ofensivo elaborado.
Se compararmos ao número de posses de bola, os arremessos deste
tipo atingiram 25% dos ataques em 2000 e 2002 contra 21% em 1996.
FIGURA 2
Figura 2
Na tendência
inversa ao número de ocorrência de arremessos de três pontos, o
número de arremessos de dois pontos decresceu entre 1996 e 2000 em
20%. A adoção do tempo de posse de bola de 24 segundos acarretou a
volta a patamares superiores a 97 (aumento de 9%). Existe uma nova
tendência de queda na ocorrência deste tipo de arremesso
influenciada pelo abuso nos arremessos de três pontos. FIGURA 3
Figura 3
O número de lances livres
pode denotar a valorização da posse de bola e a boa seleção de
posses de bola no ataque em decorrência da dificuldade na
contestação dos arremessos ou, também, falta de postura defensiva.
Os critérios de arbitragem influenciam decisivamente os dados
desta variável de desempenho tornando difícil alguma conclusão
significativa, embora seja observada uma leve tendência negativa
com o passar do tempo. FIGURA 4
Figura 4
Ao mesmo tempo em que houve
um aumento sucessivo na utilização dos arremessos de três pontos
(Figura 2), o seu percentual de acerto apresentou uma preocupante
curva inversa (decréscimo de significativos 3,8% entre 1996 e
2003). Quando os arremessos de três pontos crescem em quantidade e
não em qualidade (percentual), pode se afirmar que está havendo
uma falha grave na seleção de arremessos das equipes ou
treinamento específico insuficiente. FIGURA 5
Figura 5
Seguindo a mesma tendência
do percentual de arremesso de três pontos, o percentual de dois
pontos acumula uma queda progressiva de 5,9% entre 1997 e 2003.
Talvez esteja neste indicador o motivo de maior preocupação com a
queda de nível técnico de nosso basquete, pois não existe qualquer
fator que justifique tais números exceto uma pressuposta evolução
dos sistemas defensivos e da condição atlética dos atletas. FIGURA
6.
Figura 6
Eis um indicador no qual o
basquete brasileiro se destaca, sem que tenha havido deterioração
com o passar do tempo. Em cinco dos oito anos analisados, o
percentual esteve acima dos 75%. Metade das equipes da NBA
apresenta percentuais inferiores à média do basquete brasileiro.
FIGURA 7
Figura 7
A quantidade de
erros de uma equipe expressa a conjunção de duas variáveis:
qualidade da defesa adversária e o desempenho técnico do ataque.
Não nos parece coerente que o aumento de 48% no número de erros
entre 1996 e 2003 advenha somente do aprimoramento dos sistemas
defensivos. A diminuição do tempo de posse de bola parece ter tido
influência negativa neste indicador. Este escore representa mais
um motivo de preocupação com o nível de nosso basquete. A
habilidade com bola (ball handling) e a qualidade dos passes
precisa ser trabalhada em treinos exaustivos, mesmo em jogadores
adultos. FIGURA 8.
Figura 8
Ao excluirmos a influência
do número de ataques, verificamos a mesma tendência de aumento no
número relativo de erros. Entre 1996 e 2003 observou-se aumentos
superiores a 50%. FIGURA 9.
Figura 9
Por fim, um dos principais
motivos de orgulho de nosso esporte é a quantidade de vezes que o
objetivo é atingido. O público em geral deseja ver o máximo de
cestas possível. O basquete brasileiro sempre se notabilizou pelos
altos placares, velocidade de transição e pela precisão de nossos
arremessadores. Antes da diminuição do tempo de posse de bola é
notável o decréscimo no número de pontos por jogo (11% entre 1996
e 2000). Em 2001, o patamar dos 90 pontos foi alcançado novamente.
Porém, a tendência de queda parece iminente. A causa da diminuição
da produção ofensiva de nossas equipes transita entre o pouco
compromisso com a seleção dos arremessos, a queda de nível técnico
de nossos arremessadores e na maior atenção com os fundamentos de
defesa. FIGURA 10.
Figura 10
CONCLUSÃO
A competição mais importante
do basquete brasileiro é o Campeonato Nacional. Desta forma,
presume-se, nele são encontrados os melhores atletas, as
estratégias de jogo mais modernas e as melhores condições de
trabalho para os profissionais do meio desempenharem suas funções.
Assim sendo, esta importante competição deve servir como parâmetro
para a aferição do real nível de qualidade de nosso basquetebol.
Um argumento forte dos
defensores do alto nível dos últimos campeonatos brasileiros é o
equilíbrio da competição. Jogos parelhos tendem a empurrar as
estatísticas para baixo devido à grande responsabilidade e à
emoção da disputa. Utilizou-se a diferença no percentual de
vitórias entre o primeiro e o último colocado para atestar o
equilíbrio da disputa. A menor taxa (51%) foi encontrada em 1998,
tendo maior índice (75%) ocorrido em 2001. Não existe uma
tendência maior ou menor de equilíbrio técnico nos últimos
campeonatos. Esta característica parece ser determinada
aleatoriamente, dependendo de um maior ou menor nível de
investimento das equipes.
O aprimoramento dos sistemas
defensivos e a postura de defesa de nossos jogadores pode ter
influído negativamente nos números apresentados por este estudo.
Quanto melhor a marcação, mais dificuldades os ataques terão. Não
acredito, entretanto, que os resultados decrescentes na maioria
dos indicadores, bem como as quedas de rendimentos tão
significativas (pontos por jogo, percentuais de três e de dois
pontos, erros) resultem somente de nosso aperfeiçoamento
defensivo. Ao compararmos o indicador número de arremessos com o
os seus respectivos percentuais, observa-se um evidente descuido
com a seleção dos arremessos. Além disto, nossos arremessadores
perecem ter cada vez mais dificuldades em acertar o alvo.
Nossos técnicos sentem uma
enorme dificuldade de aprimoramento. O conhecimento técnico-tático
no basquete está sempre em constante evolução. Um conceito válido
de jogo pode se tornar superado em questão de meses. Além disto,
os poucos que tem acesso as novidades não encontram espaço para
difundi-las. Poucas são as clínicas, as palestras, os congressos
científicos. São raras as situações de intercâmbio.
Os números apontam uma
visível queda do nível técnico da competição, que pode ser
atribuída a diversos fatores.
Os críticos de plantão
atribuem à organização do Brasileiro tudo de mau que vem
ocorrendo. Eles defendem a criação de uma liga profissional de
clubes. Espero, sinceramente, que eles não estejam aspirando uma
simples troca de mãos do poder. Cabe aos clubes o direito de
reivindicar a criação ou não de uma liga. São eles os principais
interessados, sendo deles o poder de discernir se a atual
estrutura os atende ou não.
Alguns de nossos principais
jogadores estão atuando no exterior. Em 2002 “perdemos” Nenê e
Anderson, mas mesmo com eles o panorama já não era bom. Devido à
desvalorização do Real ocorrida a partir de 1999 com o dólar
atingindo níveis alarmantes em 2002, perdemos nossa capacidade de
contratar estrangeiros de qualidade. Em 1999 existiam 17
estrangeiros em 12 equipes, dentre os quais Jefty, Robyn Davis,
Dexter Shouse, Kendrick Waren, Patterson, Vargas, C. Byrd e Marc
Brown. Em 2003 eles eram apenas seis em 17 times.
Não tendo outra saída, as
equipes apelaram para a renovação de valores. E alguns bons
jogadores surgiram, como é o caso do Renato, Alex, L. Fernando,
Leandrinho, etc... Mas a ausência de incentivo à descoberta de
talentos, a crise financeira de nossos clubes, a imobilidade
gerencial e a falta de uma lei de incentivo ao desporto limitou
bastante os resultados positivos.
Conta-se nos dedos as
iniciativas de popularização de nosso esporte, na maioria das
vezes decorrente da ação de uns poucos abnegados sem qualquer
apoio institucional. Se existe alguma estratégia de inclusão de
escolas publicas no meio do basquete, peço desculpas por minha
ignorância. Não tenho conhecimento de qualquer estratégia de
marketing voltada para valorização de nossos poucos craques. A NBA
atingiu o atual nível de excelência por adotar este modelo.
Ninguém, em sã consciência, vai a um ginásio para aplaudir
dirigentes, técnicos ou árbitros. Os atletas são os artistas do
espetáculo. Depende deles e dos resultados internacionais a
importância deste ou daquele esporte no cenário nacional. Sem
ídolo, a teoria do espelho não funciona. Os esportes radicais
estão ocupando nosso espaço.
Além disto, os atletas que
se destacam nas categorias de base não encontram condições em seus
clubes para um completo desenvolvimento. Para que um jogador
atinja a plenitude do seu potencial é necessária uma prática
multidisciplinar. As preparações física, técnica, tática e
psicológica dependem da ação coordenada de diversos profissionais
(técnico, fisioterapeuta, médico, psicólogo, nutricionista, etc) e
das condições estruturais dos clubes.
Nosso basquete encontra-se
num perigoso círculo vicioso. Não temos ídolos nem resultados
expressivos. Existe evidente queda no interesse do público
(principalmente entre as crianças e os jovens). Poucos
patrocinadores se interessam (a Universo é dona ou tem
participação em cinco das 16 equipes do Brasileiro). Pouco
dinheiro circula. O esporte está em franca queda de prestígio. E
nosso produto é tão rico. Emoção, precisão, inteligência, força,
criatividade e beleza. Que pena!
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